terça-feira, 8 de setembro de 2009

Unsung Miracle

Ritmo confuso
de toque raro
em luz difusa
no chão de cacos.

Traço meu centro
de pé fincado
em vidro agudo
que entra profundo.

Valso descalço,
pinto com sangue
o autoretrato
no chão do mundo.

Compasso torto,
ciclo imperfeito,
rastro certeiro
do passo em falso.

Um gosto de paraíso

Um amigo tem me feito convites seguidos e tentadores pra acompanhar sua banda em São Paulo. De lá, possibilidades pelo Brasil e pra fora do país, também. 'Cara, vai por mim, eu não ia fazer você largar suas coisas aí, seus empregos e sua família, se não soubesse que você vai brilhar e vai ter retorno disso... é só você não se empolgar muito e começar a gastar tudo que ganhar na noite com a noite. Eu tenho equipamento e contatos, você só tem que tocar essa gaita e soltar os cachorros no microfone.'
Tentação filha da puta... e eu sempre de perna bamba diante do meu próprio monumento.

Penúltimo degrau

Noite. Outra noite. Não é a mesma noite. Ao trancar o portão e sair, quase posso ouvir as engrenagens loucas do caça-níqueis que aciono ao dar o primeiro passo debaixo da luz dos postes. Nunca é a mesma noite. Sempre o lucro, feito noite japonesa, noite ruiva, noite loura, morena, pompoarista, escatofílica, de pés pequenos, de unhas pintadas e, graças, sem pintas enormes nas costas com pêlos descorados. Sempre o lucro, scort e anfitriã.
Tenho de pegar ônibus. Eu não dirijo, pro bem de todos e mal dos meus pecados, mas tudo se compensa. Chego rápido. A vida é curta e o caminho é longo. A noite é sempre outra, nem estreita nem plena demais. Quando saio de casa, eu piso o penúltimo degrau da escada para o céu. O copo na boca mostra que completei a subida. Impossível não sorrir, enquanto o whiskey (assim mesmo, com 'e', como na pronúncia do Mark Knopfler. Essa palavra é dele e minha) bless my soul. Beber é comunhão, crisma.
Alguém esbarra nas minhas costas. O jackpot fechou com morangos.

Whiskey e coágulos

Trecho de uma conversa de minha mãe comigo, hoje:

-Filho, hoje ouvi gente comentando umas coisas na fila do banco... você andou dando show no bar?
-Não, mãe, só canja... só começo a tocar na semana que vem.
-Não é disso que estou falando. Estavam comentando, dois caras, sobre um professor que andou xingando e chorando naquele bar... era você?
-Chorei sim, porra... o que esses filhos da puta têm com isso?
-Filho, a sua imagem...
-Mãe, minha imagem já foi pro caralho faz tempo, que se fodam essas porras.
-O que está faltando pra você? Tem alguma coisa faltando na sua vida, né, meu filho?
-Tem sim, mãe. Um aneurisma.


E só elas são felizes...