domingo, 6 de dezembro de 2009

... Não me sobra dinheiro, mas há muito tempo que não tenho nenhuma dívida e isso pra mim já é acalentador. Quando pinta alguma carona, vou até à Mercearia beber encostado no balcão, ficar mexendo nos livros e falando com o Marquinhos. Na terça-feira depois de assistir o show das atrizes que cantam, fui até à Mercearia. Pedi uma taça de vinho e fiquei lá bebendo sossegado. Aí apareceram essas garotas. Uma delas é de Quebec e disse que quer escrever um best seller e ficar rica. Achei engraçado. Acho que é mesmo possível escrever um best seller no Canadá e ficar rico. Tava lendo dia desses que nos EUA basta escrever um livro bem sucedido e pronto, é só viver das glórias dele. Por aqui é diferente, né? Depois elas me deram uma carona até o Parlapatões onde encontrei uma pá de outros amigos e a noite como sempre se estendeu. De manhã já muito bêbado, mandei um e-mail que não lembrava de ter escrito. Só no outro dia quando fui olhar na caixa de "enviadas" é que percebi que tinha escrito. Não me arrependo do que escrevi, porque é tudo verdade, mas é engraçado saber que só escrevi porque tava muito bêbado. Se tivesse sóbrio, não teria a manha de escrever o meu pensamento tão objetivamente. E depois ainda dizem que bebida faz mal. Fiquei orgulhoso do que escrevi. À noite fui à inauguração da Escola de Teatro. Encontrei uma rapaziada de Londrina trabalhando na produção da inauguração. A Patricia que eu não via há séculos tava trabalhando lá. Ela me viu lá fora encostado em um fusca conversando com alguns amigos e com o fone do meu MP3 em uma de minhas orelhas. Tava rolando aquela pá de discursos chatos e eu não tava com saco de ficar lá dentro ouvindo aquilo. Então ela disse: "Tira isso, Mário pra conversar com a gente". Respondi: "Não. Eu tô ouvindo o que você tá falando e tô ouvindo música também". Ela então riu e disse: "Você sempre foi assim, né? Rebeldezinho. Quando te conheci, você era um jovenzinho rebelde". Falei rindo: "Pois é, e hoje eu sou um velho rebelde. Algumas coisas não mudam, né?"
Ontem foi especial. Eu tava mezzo triste e mezzo alegre. Tava alegre porque tive uma tarde ótima e triste porque tive essa tarde ótima. Difícil explicar, né? Deixa pra lá. Não quero que todo mundo entenda. Como disse o meu amigo Basa no blog dele: "Escrevo pra reler certas coisas tempos depois e aprender algo sobre mim. Costumo contar problemas aqui no blog também pra não precisar encher o saco dos meus amigos contando isso pra eles. Prefiro sentar, tomar umas cervejas e dar risada do que ficar contando o quanto meu dia foi foda". Tocamos um rock and roll novo e foi divertido. Antes do show começar peguei uma garrafa de água e fiquei bebendo sentado na escada sozinho e vendo os caras da banda arrumando os equipamentos. Fiquei pensando: "Olha os caras aí. Eles gostam do que estão prestes a fazer. Eles se divertem e eu faço parte disso. Bom ter amigos assim. É um privilégio tocar com esses caras numa noite dessas depois da tarde que eu tive". Grande rock and roll. Me salva quase todos os dias desde o tempo que eu era um "jovenzinho rebelde" lá em Londrina. Bacana mesmo. Acho que queria conversar uma coisa ou outra com alguns amigos, mas eles pareciam estar todos ocupados com seus próprios problemas e resolvi deixar pra lá. Aí uma garota que eu conheço há muito tempo mas com quem nunca conversei direito veio falar comigo. Ela é dessas garotas espiritualizadas que percebem sinais nas outras pessoas. Ela me disse que sonhou comigo a noite toda e que quando acordou decidiu que precisava ouvir minha música e conversar comigo e que depois do show sentiu uma sensação ótima de reconhecimento, acho que foi algo assim que ela falou, não sei direito, mas ela disse uma pá de coisa bacana que me deixou um pouco constrangido. Tem pessoas que fazem a gente se sentir importante, né? Quando voltei pra casa sozinho ontem de manhã, foi pensando em tudo isso. Que a vida nos proporciona momentos realmente enternecedores. E por mais que estejamos tristes ou desconsolados, ainda assim é muito foda. Parei pra tomar um café com leite no bar do Fabinho. Pedi um pão na chapa e ele disse que ainda não tinha. Pensei: "Acho que saí do bar cedo demais" Comi um bolo de aipim com café e vim dormir com uma sensação de paz indescrítivel. Então daqui há algum tempo quando eu ler esse post que escrevi agora, vou lembrar que tive esse momento de paz nessa madrugada, que há anjos perdidos por aí e eu estou longe de ser um deles, mas saber indentificar já não é pra qualquer um. Estou acertando minhas contas com o tempo. Uma hora ele vem e te cobra.



*

A vida não me reservou nada de esplêndido, mas eu fui lá e arranquei dela. Esse é um mundo frio onde "raramente acontece um olhar com carinho", mas em alguns textos, elas insistem em arder de um jeito quase inexplicável, então é possível acreditar que um sujeito que estava disposto a atirar na cabeça do outro, minutos depois vá até o quarto buscar um cobertor para que o seu desafeto não passe frio deitado no sofá. Há muito já entendo generosamente que não há como passar por cima de nossos sentimentos mais simples. E isso faz toda a diferença.


*

Meia garrafa de whisky, dois filmes do Cassavetes, dois shows do Van Morrison. Existe um tipo de felicidade subterrânea que você não vai conseguir entender no seu dialeto. Você sequer faz idéia de quantas sílabas ela tem.

( Mário Bortolotto)



É esse cara que está hospitalizado, entre a vida e a morte, e que, infelizmente, diferente de Carla Perez, Netinho de Paula, Zezé de Camargo e derivados, nunca recebeu o prestígio da massa brasileira.

Ai, meu Brasil tão brasileiro...

Mário Bortolotto

Mário Bortolotto foi baleado ontem. Logo depois da apresentação de uma de suas peças. Num mundo de gente que se vende pela fama, ele era, talvez o único da sua geração, que ainda tinha dignidade, princípio e coragem.

Reagiu a um assalto, não por proteção a seus bens, dinheiro, e "rolex", reagiu a um assalto pra defender uma amiga que estava apanhando do assaltante. Ele poderia ter ficado na dele, poderia ter visto a cena da agressão e continuar deitado no chão, ele poderia ter fingido que aquilo era normal, e que ver uma amiga apanhar de assaltantes é tolerável pra se proteger. Mas ele é o Bortolotto, e isso é o suficiente pra entender os motivos dele ter reagido. E pra quem não entende o peso disso, recomendo ler alguns textos dele.


Em tempo:
Não faço apologia a atitudes como a dele, reagir a assaltos , mas apesar da indignação e tristeza que sinto pelo seu estado de saúde, confesso que tenho uma pontada de orgulho por saber que em qualquer situação ele continua sendo o cara fodão que ele sempre foi.