quarta-feira, 28 de abril de 2010

Cio repentino de outono



Se me queres feliz,
realmente feliz,
traz-me figos
em calda, secos
ou na carne da fruta.

Traz
a minha boca
a polpa macia e melada,
aos dentes, o gostoso estalido
das sementes.

Traz-me figos,
se me queres feliz.
Se me queres contente,
ensopa meus lábios
de figos.

Traz-me figos no corpo-
joga-os ao chão e deita sobre eles,
convulsa, réptil, sibila,
esmaga-os entre os dedos,
aperta-os contra os peitos, entre as coxas,
enfia-te dos figos, enfia-os também na boca...
e traz-me-os.

Se me queres feliz,
impregna deles o sol. Traz
a manhã perfumada
da cica dos figos.

Se me queres,
feliz,
traz-me figos.

sábado, 17 de abril de 2010

Perdoamos as falhas de caráter, não a sua ausência.

Também do Douglas kim, mas penso seriamente em roubá-la.
Achei de foder. Então,


Durante as madrugadas insones, vez ou outra, me vejo às voltas com o seguinte devaneio: escrever algo que seja como uma obra musical, uma obra musical que alguém queira ouvir repetidamente. Apenas alguns compassos. Por sorte, esse devaneio logo se desfaz, enterrando qualquer pretensão, dando lugar a uma recorrente constatação, disfarçada de memória. Tempos atrás, conheci um homem que tinha facilidade para ler as emoções dos outros, o que lhe causava extrema amargura. Em meados de um outono qualquer, misteriosamente, essa capacidade desapareceu durante um dia inteiro. “Soube então o que era ser feliz, mas também foi o momento em que mais me senti vulnerável”, ele me disse.

Douglas Kim

Sobre São Paulo,




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"... voltei para Sampa muito alegrinho, muito na-boa, muito tudo vai rolar. A memória da gente é safada: elimina o amargo, a peneira só deixa passar o doce. Então eu tinha esquecido que esta cidade te cobra preços altos. Ela é uma mulher (ou um homem) belíssima (o) que se oferece, tentadora (o), como se amasse, te envolve, te seduz - e na hora em que você não suporta mais de tesão e faria qualquer negócio, ela (o) te diz o preço. Que é muito alto"


Caio Fernando Abreu
Deveriam guardar os velhinhos numa casa, onde iríamos sempre que nos sentíssemos clichês e sem verdade. Seríamos recepcionados pelo Saramago que nos encaminharia para o velhinho sábio que fosse especialista na nossa dor. E tomaríamos café com bolachinhas e bolinho de chuva na varanda cheia de "cachorrinhos", lendo poemas, e ouvindo as histórias deles. Sem nada de chatices pseudointelectuais.

Da Fernanda, a Mandagará. Mas bem que poderia ser meu também.

Dia de Fernandas, acho.
Espera aê, devagar: eu pratico esportes coletivos (teatro, banda, dança), não é bem assim.
É preciso negociar erros, perdoar erros, lidar com os tais e até tirar algum proveito disso.

Entende?

Escrever e errar diante do computador (máquina de escrever, bic, etc.) faz produzir, criar, sei lá, não sou escritora, não estou julgando ou analisando, nem mesmo fazendo cena.
É que é foda, velho. Às vezes é foda.

A gente erra na frente dos caras, ali, valendo.E fica bom/fica ruim (hoje, ficou bom, admito). Mas não é "sussa" (como dizem os playba da Vila Madalena).

Às vezes é preciso uma cancha, uma ginga, um "sabe Deus", que pode te levar a alma por horas.

E a minha alma, às vezes, é a última folha do talão de cheques
.


Da Fernanda, a D'Umbra. Mas bem que poderia ser meu.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Silenciar

Para quem adora falar e backing vocar, a pior dor do mundo é se calar quando se deseja muito dizer. Há momentos onde uma letra mal colocada pode ferir, e nestes momentos eu me torno um criado mudo. Imóvel, duro e receptor de pesos que se transmutariam em lágrimas de alívio se o imóvel se movesse e falasse.
Tempo fechado aqui. Ruim, bem ruim mesmo. As coisas acontecendo como se uma bola de neve assassina me atropelasse me deixando sem movimento, sem reação e sem ar. Foda. Apesar de todo o carinho e preocupação de tanta gente que me ama e se preocupa comigo, ninguém tá na minha pele. Os amigos mais próximos dizem que é bom desabafar os problemas deles comigo. Não porque eu os entendo e estou numa fase boa pra dar conselhos. Pelo contrário. Quando eles começam a contar os problemas deles pra mim, automaticamente eles lembram do que eu tô passando, e aí eles percebem que não tem porra de problema nenhum. Problemas mesmo são os meus. Pois é, eu virei parâmetro de desgraça. E nem vou escrever o que mais me aconteceu depois que a bola de neve começou a descer pra não fazer chorar aqueles que passam por esse blog. Eu tô num arregaço físico-mental e emocional que nem eu consigo entender como ainda levanto da cama todas as manhãs. E nem é drama dessa vez. Tá bem foda. Dizem que o tempo resolve essas coisas, sei lá, até lá procurem não reclamar do inferno astral de vocês perto de mim. Eu nunca disse que eu não era grossa. Legal. Agora eu virei uma grossa sem compaixão pelos problemas alheios.

E pensar que até o mês passado eu reclamava da vida por puro charme... Vidinha filha da puta essa que a gente leva...